Neste ano lectivo, a Ana inscreveu a sua filha em Ensino Doméstico.
Esta escolha representa uma mudança radical nas crenças habituais. A maioria de nós não contempla esta visão no seu percurso escolar. O mais natural é ir para a escola. É mesmo?
Quando alguém coloca a cruz em Ensino Doméstico, no boletim de matrícula, já fez uma caminhada de aprendizagem sobre o tipo de educação escolar que pretende para os seus filhos. É uma escolha estudada e discutida em família. É uma opção exigente ao nível académico, ao nível familiar e ao nível económico. Cada família terá as suas razões em ter optado pelo ensino doméstico. Sabemos no entanto, que a escola pública precisa de uma mudança profunda. Ainda esta semana surgiram notícias sobre este assunto que podem ler aqui e aqui. E a cada passo surgem notícias sobre violência nas escolas. O bullying é uma realidade diária e é causa de suicídio entre adolescentes. A tendência para achar "normal" a violência entre crianças é a mesma que acha "normal" a palmada e o castigo.
Aos que, embora gostassem, mas não podem optar pelo ensino doméstico e aos que simplesmente esta opção não faz qualquer sentido, resta continuar a lutar por uma escola pública mais ajustada e com mais empatia.
O texto que vão ler a seguir é inteiramente escrito pela Ana e aborda a sua opção pelo ensino doméstico. Foi a partir do seu texto "Não pode protegê-la para sempre" que lhe lancei o pedido de escrever algo sobre este tema. Obrigada Ana pela partilha!
Podem acompanhar a Ana através do seu blog fitadevies.wordpress.com.
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Em condições ideais considero que o Ensino Doméstico poderá
ser amplamente benéfico para a criança e para a família. Em condições nada
ideais poderá ser catastrófico. Da mesma forma que a escola é a melhor coisa do
mundo para muitas crianças e adolescentes e a pior para outros, o E. D. poderá
ser uma experiência fantástica e positiva ou castradora e traumatizante. Há que
não esquecer que apesar das dificuldades que a escola enfrenta a nível de
ensino/aprendizagem, é nesse espaço que muitos alunos têm acesso a cuidados de
higiene, alimentação e afecto humano. Muitos professores e funcionários das
nossas escolas são pais, mães, irmãos e tios. Apesar dos problemas que
reconheço na escola pública recuso-me a fazer a apologia do E. D. como sendo a
melhor opção do mundo. Poderá ser uma experiência fantástica consoante o
empenho e dedicação dos pais. É importante que os pais/encarregados de educação
sejam capazes de reconhecer as suas limitações e saibam desistir quando
necessário. Pela responsabilidade que
acarreta creio que não é uma opção indicada para a maioria das pessoas. É
crucial que as famílias que optam por este caminho tenham em consideração dois
aspectos: se decidem inscrever os filhos em E.D. devem ensinar as bases
transmitidas na escola (é importante atingir, pelo menos, os objectivos mínimos
do Currículo Nacional) e devem ter um especial cuidado com a socialização dos
filhos/educandos. São dois aspectos de extrema importância e que, devido a uma
proliferação de anedotas infelizes nas redes sociais, são tratados de forma
leviana. Julgo que se houvesse uma melhor aceitação da Declaração Universal dos
Direitos da Criança muitos pais repensariam se terão o direito de retirar aos
filhos a possibilidade de aprender determinadas matérias, por mais inúteis que
lhes pareçam, ou de colocá-los numa situação de isolamento social[1].
Tendo em conta a recusa, da maioria dos pais homeschoolers,
em aceitar que o ensino em casa possa ter desvantagens e criar problemas
sérios, se mal encaminhado, não creio que esta ou outra qualquer opção de
ensino se possa tornar na resolução mágica dos problemas desta sociedade. O
problema é mais profundo do que uma mera opção de aprendizagem ou de estilo de
vida. Na verdade, considero que se há
dedo a apontar é ao próprio Estado visto encarregar-se dos filhos dos cidadãos
desde que nascem (creches) até à sua morte (lares). Acho extraordinário que
poucas pessoas se atrevam a questionar o porquê desta institucionalização
precoce do ser humano. Nem compreendo por que motivo as pessoas se espantam com
a falta de empatia das gerações mais novas. Produzimos filhos que são criados
em série, em ambientes artificiais, com cuidadores especializados, e ficamos
surpreendidos com a alienação cada vez mais presente na sociedade
contemporânea.
Esta alienação está presente, por exemplo, na forma como a
sociedade encara o bullying. Ainda há a crença estranha de que as dificuldade
moldam o carácter. Esta ideia não é completamente errada. A criança ao aprender
a andar não se deixa vencer pelo obstáculo da queda. No entanto, não é por isso
que os pais causam a queda propositada da criança para que aprenda a andar. Da
mesma forma, embora o mundo real esteja cheio de dificuldades e desafios não é
por isso que devem ser permitidas acções de teor criminoso que colocam em risco
a vida e saúde física/mental das vítimas. É assim que encaro o bullying nas
escolas. Não se trata de criar flores de estufa ou seres humanos
incapazes de lidar com a menor das dificuldades. Trata-se de garantir que nas
escolas todos os alunos se sentem em segurança. É um direito consagrado na
Constituição portuguesa. Como podem as escolas esperar criar cidadãos
exemplares quando não conseguem garantir a supressão de actos criminosos nos
seus recintos? E por actos criminosos considero: violência física, emocional e
sexual. É deplorável que num recinto escolar, como já foi noticiado, seja
permitido alunos atacarem um colega despindo-o e atando-o a um poste. É
inadmissível que um aluno seja sovado na zona genital por
colegas, que seja violado nos balneários ou que seja humilhado publicamente
e/ou nas redes sociais. E tudo isto num clima de impunidade. Devido ao aumento
de indisciplina as escolas tornaram-se em arena. Para a escola pública
funcionar é necessário que a sociedade exerça pressão para que o bullying tenha
tolerância zero. Neste momento já vamos tarde demais. Infelizmente, a segunda
causa de suicídio entre adolescentes, em 2010, foi o bullying. Em Espanha já
começaram a surgir os primeiros casos de suicídio infantil. É terrível para um
ser humano ainda em desenvolvimento ter de lidar com ataques sem ser capaz de
se defender. Impossibilitados de pedir ajuda aos pais e professores, graças à
mentalidade de “não sejas chibo”, “não sejas bebé”, “faz-te homem” e
“desenrasca-te” há cada vez mais alunos a passarem por situações terríveis que
despoletam problemas mentais e emocionais a curto, médio e longo prazo. Deixo
como referência alguns estudos que focam de que forma o stress crónico afecta
crianças e adolescentes a longo prazo:
A escola pública tem de mudar para que possa ser salva. É
impossível existir ensino de qualidade quando se debate, todos os dias, com
actos violentos de alunos contra alunos, funcionários e professores.
Infelizmente, tais actos poderão ser apenas a resposta à institucionalização
forçada e precoce que o estilo de vida contemporâneo impõe à maioria dos seres
humanos. Ao fim ao cabo, vivemos todos na grande quinta de Orwell.
[1]Sobre
estes assunto remeto a leitura para estes dois sítios na net: https://homeschoolersanonymous.org/
e http://www.responsiblehomeschooling.org/